A pior empresa do mundo
18/11/2015
- 06h00
A Vale, uma das
proprietárias da Samarco, empresa responsável pelas barragens que se romperam
em Mariana (MG), recebeu título em 2012 devido a impacto social, ambiental e trabalhista
de suas operações em Moçambique, Canadá e Brasil
Douglas Resende e Rafael Lage / Jornalistas Livres
Morador observa o panorama tomado pela lama em Gesteira, distrito no
município de Barra Longa, MG, afetado pelo rompimento da barragem em Mariana
Tanto durante quanto depois de seus
dois mandatos, o ex-presidente Lula apostou muito do seu legado na cooperação
"Sul-Sul" com a África. Em troca, ele é tido pelo continente quase
que com a mesma estima que os líderes das lutas de libertação, como o
sul-africano Nelson Mandela ou o moçambicano Samora Machel.
Em sua primeira visita presidencial a
Moçambique, em 2003, Lula foi recebido como um herói e fez discursos emotivos
sobre a importância da solidariedade entre o Sul Global. Ele respondeu com
empatia à epidemia de HIV e prometeu apoio brasileiro em um projeto de produção
de medicamentos a preços acessíveis para combatê-la.
Mas, talvez, o mais revelador não
tenha sido o que Lula disse na África, mas quem ele levou consigo. A comitiva
brasileira incluía Roger Agnelli, ex-banqueiro que desempenhou um papel de
destaque na avaliação de uma importante empresa estatal, a Companhia Vale do
Rio Doce, antes de sua privatização em 1997.
Posteriormente, Agnelli tornou-se o
primeiro presidente executivo da Vale, liderando a corporação nomeada a
"pior empresa do mundo" em 2012 por ativistas devido a suas relações
trabalhistas, seus impactos na comunidade e suas pegadas ambientais.
Não que isso tenha manchado a
reputação de Agnelli. Impulsionado pelo "superciclo das commodities"
com aumentos médios de 150% entre 2002 e 2012, pela aparente infinita demanda
chinesa por minério de ferro e pelo abundante capital do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), Agnelli parecia ter o toque de Midas. O tempo em
que ele esteve no comando da Vale foi caracterizado por uma expansão global
agressiva e por lucros e retornos fabulosos aos acionistas.
A equipe de relações públicas de
Agnelli na Vale trabalhou duro para projetar um espírito de cooperação Sul-Sul
em sincronia com a retórica de Lula, alegando que os investimentos em mineração
do Brasil no Sul Global trariam empregos e desenvolvimento econômico,
diferentemente das empresas do "Norte" imperialista.
Porém, ao rastrear a trajetória da
Vale, seja em Moçambique, onde ela iniciou um investimento pioneiro em
mineração de carvão, ferrovias e um complexo portuário, ou no Canadá, onde ela
adquiriu operações de níquel já estabelecidas, ou dentro do Brasil, surge uma
figura bem diferente, caracterizada pela dissonância clara entre a retórica da
empresa e as realidades no terreno em todas as suas operações globais.
Como parte da equipe do fundo
internacional de desenvolvimento dos trabalhadores, criado pela United
Steelworkers (Trabalhadores do Setor de Metais Unidos, em tradução livre), o
principal sindicato a representar os mineiros do Canadá, eu tive a oportunidade
de monitorar essa desconexão durante a última década, tanto no Canadá, depois
que a Vale comprou a Inco, a maior mineradora do país, quanto em Moçambique,
onde o sindicato possui vínculos de longa data através de seus programas de
formação sindical.
O histórico da Vale mostra que as
práticas e atitudes de corporações multinacionais sediadas nos países-membros
do BRICS não são diferentes das empresas internacionais de mineração ligadas
aos países do centro capitalista.
Ao chegar no Canadá, a Vale gabou-se
de sua experiência em gestão corporativa, das suas credenciais de Wall Street e
da sua habilidade em lidar com sindicatos intrometidos. A empresa insistiu em
grandes concessões como condições prévias até mesmo da mesa de negociação,
provocando greves do sindicato de 11 e 18 meses, uma longa queda-de-braço na
qual a Vale ganhou grande parte do que queria.
Tito Martins, um executivo da
empresa, deixou bem claras as intenções da Vale ao fim da primeira greve numa
reportagem intitulada "Vale comemora redução do poder do sindicato no
Canadá", publicada no jornal Valor Econômico:
"O que era importante para a
Vale nessa negociação era conseguir o alinhamento dos empregados do Canadá como
um todo ao tipo de relação que a empresa mantém com seus funcionários no resto
do mundo, que envolve três pontos cruciais: plano de pensão, bônus e linha de
comando entre empregador e empregado sem intervenção direta do sindicato."
Desde 2011, a empresa viu
acontecerem cinco mortes no país: uma
em Thompson, no estado canadense de Manitoba, e quatro em Sudbury, Ontário,
além de mais duas numa operação contratada a um braço de distância da Vale.
Como um trabalhador disse: "Seja no subterrâneo ou na fundição e
refinaria, a Vale tornou tudo mais perigoso do que era antes".
Mas a empresa deixou um legado ainda
pior na África, onde é menos restringida por leis do governo. No entanto, é lá
onde a Vale alega estar ajudando milhares de pessoas.
Vale na África
Diz a lenda que Lula apresentou
Agnelli e a Vale a Moçambique, encorajando o então presidente Armando Guebuza a
rejeitar a oferta chinesa pelos depósitos de carvão moçambicanos, porque os
chineses levariam seus próprios trabalhadores, em vez de contratarem
mão-de-obra local.
Seja qual for o envolvimento de Lula,
Agnelli foi convidado pouco depois da visita do presidente brasileiro em 2003
para tornar-se membro do conselho consultivo internacional de Guebuza. Pouco
depois, a Vale foi a primeira empresa multinacional a ganhar licença para
desenvolver as principais reservas de carvão de Moçambique.
Semelhante à visita de 2003, durante
seu retorno a Moçambique em 2012, Lula transmitiu mensagens contraditórias de
solidariedade, por um lado, e propagandeou o
investimento de empresas brasileiras, por outro. Mas dessa vez ele chegou com o
sucessor de Agnelli, Murilo Ferreira.
Durante a viagem, o ex-presidente deu
uma conferência pública intitulada "A luta contra a desigualdade
social", apresentado por Graça Machel, viúva do primeiro presidente
moçambicano, Samora Machel, e uma figura pública bem conhecida pelos seus
próprios atos. Ela definiu Lula como um herói do povo, assim como Samora. Lula,
por sua vez, falou sobre a experiência do Brasil sob o governo do Partido dos
Trabalhadores (PT), caracterizando-o como um de crescimento e ao mesmo tempo de
divisão do bolo econômico, além de garantir a criação de empregos e de
programas sociais de redistribuição de renda que poderiam aliviar a pobreza.
Ele incitou empresas brasileiras a
investirem em Moçambique para contribuir com a luta contra a desigualdade, em
nome da justiça social. Porém, pouco depois da palestra, Lula uniu-se ao novo
presidente da Vale numa campanha de lobby junto à ministra do
trabalho de Moçambique, Helena Taipo, para reduzir as restrições aos
trabalhadores estrangeiros nas operações da mineradora brasileira no país.
A revista Veja falou
sobre o caso:
"A Vale foi uma das
patrocinadoras do tour que Luiz Inácio Lula da Silva fez há duas semanas pela
África. O presidente da empresa, Murilo Ferreira, viajou no mesmo jatinho do
ex-presidente até Moçambique. Lá, eles se reuniram com a ministra do Trabalho,
Helena Taipo, que vem colocando barreiras para a exploração de carvão pela
empresa brasileira na mina de Moatize, uma das maiores do mundo. Na reunião,
Lula tentou, sem sucesso, convencê-la a derrubar a exigência de empregar 85% de
mão de obra moçambicana no empreendimento."
A pressão brasileira para reduzir o
controle moçambicano sobre os trabalhadores estrangeiros não é novidade. Num
encontro com trabalhadores de Canadá e Brasil em 2011, nos reunimos com o
diretor de trabalho da província Tete e fomos informados de que a Vale
constantemente pressiona as autoridades para que permitam à empresa exceder as
cotas de trabalhadores estrangeiros anteriormente negociadas.
Danielle Scott / Flickr CC
Trabalhadores canadenses do sindicato United Steelworkers protestam contra a
Vale/Inco em Toronto em 2010
A fase de construção do projeto da
mina incluiu não apenas um grande número de trabalhadores brasileiros, como
também trabalhadores de construção das Filipinas. Muitos destes foram
contratados pela Kentz Engineers and Contractors, uma empresa que opera em
quase trinta países e comanda uma das maiores refinarias de níquel e cobalto do
mundo, em Madagascar.
A Kentz emprega mais de 2.500
trabalhadores filipinos fora de seu país em suas operações globais. Depois que
muitos filipinos trabalhando pela Kentz em Madagascar foram repatriados no fim
de 2010, eles abriram denúncias junto à Administração Filipina de Emprego em
País Estrangeiro (Philippines Overseas Employment Administration, ou
POEA) alegando práticas de trabalho injustas pela Kentz, incluindo atrasos de pagamentos,
alojamentos superlotados, falta de alimentos e atendimento médico inadequado.
A Kentz foi uma das muitas
empreiteiras contratadas pela Vale Moçambique conforme esta construía em suas
concessões de carvão em Moatize, no noroeste do país. Inspetores do
departamento encontraram trabalhadores no canteiro de obras que tiveram negadas
as férias, os fins de semana e o vestuário de proteção adequado. A Kentz também
não registrou seus trabalhadores moçambicanos na previdência social.
Em 18 de novembro de 2011, o
Ministério do Trabalho de Moçambique finalmente respondeu, expulsando 115
trabalhadores, a maioria da África do Sul e das Filipinas, ilegalmente levados
ao país pelos subcontratados da Vale. A Kentz Engineers foi multada em quase 34
milhões de meticais (cerca de 1,1 milhão de dólares) e recebeu 30 dias para
acertar as irregularidades.
Os trabalhadores com base em Tete que
participaram nos intercâmbios internacionais indicaram que a fase operacional
da mina de carvão de hoje emprega não apenas o número máximo da cota, ou mais,
de trabalhadores brasileiros, como também muitos outros estrangeiros, com ou
sem status de residência legal, vindos de países vizinhos e de fala inglesa,
como Zimbábue, Zâmbia e Malawi. Filhos e sobrinhos de figuras do poderoso governo
moçambicano e de empresários na capital nacional, Maputo, também ganham
empregos cobiçados na Vale.
Além disso, o desenvolvimento mais
amplo prometido pelo Partido dos Trabalhadores e pelos funcionários da Vale é
incerto. Apesar de serem os mais impactados pelo crescimento da mineração — e
de serem quem lida com a poluição, a escassez de moradias e de outros serviços,
o trânsito, o barulho e o aumento do custo de vida —, as pessoas nas
comunidades locais ao redor da mina e os nativos da cronicamente subdesenvolvida
província Tete têm visto raros empregos novos e poucos benefícios a partir do
projeto.
As poucas oportunidades de emprego
geradas pelas operações de mineração e as drásticas desigualdades nos salários
e benefícios entre estrangeiros e cidadãos nacionais criam uma indignação
generalizada. Um trabalhador da Vale comentou: "Trabalho ao lado de
estrangeiros, mas eles ganham quatro vezes mais do que eu". Outro disse:
"Os operadores de máquinas moçambicanos trabalham junto aos brasileiros,
alguns dos quais possuem menos treinamento do que os moçambicanos, mas o
brasileiro é automaticamente o supervisor".
Estes sentimentos foram expressos
numa pesquisa realizada em 2012 para determinar se as experiências dos
trabalhadores da Vale no Brasil eram semelhantes às vividas pelos trabalhadores
da empresa em Moçambique e no Canadá. Esses comentários expressam o vazio das
promessas da Vale de criar postos de trabalho para moçambicanos, e também
demonstram a força do sentimento antibrasileiro, que não é muito diferente dos
sentimentos antiamericanos ou antibritânicos nos lugares onde se estabelecem
empresas desses países.
Moçambique, assim como outros
governos africanos, não possui os meios ou a vontade política de usar
megaprojetos em mineração como pilares estratégicos para uma tática industrial
mais ampla. Projetos de mineração tendem a se tornar enclaves, articulados
globalmente, mas desconectados de seu próprio país.
Embora não haja estudos sistemáticos
para analisar, o sentimento geral em Moçambique sugere que a Vale está, na
verdade, diminuindo os empregos. Reassentamentos forçados para dar espaço às
minas deixaram famílias rurais sem terra ou água para suas atividades
agrícolas, e sem acesso aos mercados locais.
Um estudo recente realizado por
Antonio Jone para o Observatório do Meio Rural moçambicano concluiu que
famílias enviadas para reassentamentos rurais em Cateme foram afetadas
negativamente. A aderência tão elogiada da Vale a todas as recomendações do
Banco Mundial sobre reassentamentos forçados está, na verdade, longe da
realidade.
Nos relatórios oficiais de
sustentabilidade da Vale e em seus vídeos de Relações Públicas, os
reassentamentos moçambicanos são considerados modelos de excelência. Mas o
"relatório de insustentabilidade" preparado pela Articulação Internacional dos Atingidos
pela Vale vai além da agitação para capturar
as vozes dos reassentados que contam a história da falta de terra, da falta de
água e de casas com rachaduras nas paredes e fundações desintegrando-se depois
da primeira estação chuvosa.
O estudo mais recente de Antonio
Jone, sobre "segurança alimentar" nos reassentamentos da Vale,
confirma que eles têm sido tudo, menos uma história de sucesso, e, na verdade,
deixaram as condições dos produtores camponeses muito piores do que estavam
antes da remoção. Além disso, os artesãos das áreas afetadas pela concessão de
mineração, como os que fazem tijolos, por exemplo, ficaram sem lugar para
venderem.
Nos últimos anos eles têm realizado
atividades de lobby agressivas direcionadas tanto ao governo moçambicano quanto
à Vale. Adotando uma prática da cartilha corporativa, os artesãos argumentam
que sofreram perdas permanentes de seus meios de subsistência através dos quais
poderiam esperar uma renda vitalícia em torno de 350 mil dólares, em vez dos 2
mil que a Vale lhes pagou a princípio.
Em junho de 2013, a Vale declarou que
a questão estava definitivamente fechada. Ela foi forçada a reabrir as
discussões sobre a compensação, no entanto, pois os fabricantes de tijolos
continuaram exigindo suas demandas com barricadas que pararam a mineração,
apesar da prisão de seus líderes. O governo moçambicano respondeu com contínuas
expressões de preocupação com os lucros perdidos por seu "parceiro no
desenvolvimento", a Vale.
Vale no Brasil
As ações da Vale também fizeram com
que a empresa ganhasse inimigos em casa. A expansão agressiva da corporação nos
anos desde a sua privatização transformou-a na terceira maior mineradora do
mundo, com operações em 13 estados brasileiros e em 27 países em seis
continentes.
Apesar de suas origens como uma
empresa estatal próxima ao governo brasileiro, a ascendência da Vale para seu
status atual de empresa global foi caracterizada, assim como qualquer outra
corporação capitalista, por uma devoção desmedida e obstinada aos altos lucros
e generosos dividendos para seus diretores e acionistas.
Muitos brasileiros estão
particularmente indignados com a forma com que esse ícone nacional passou para
as mãos privadas em 1997 como parte do padrão global de privatizações sob
programas de ajustes estruturais. Nos anos antes da chegada do Partido dos Trabalhadores
ao poder, o BNDES assumiu a responsabilidade de promover privatizações. A venda
da Vale é considerada o episódio de privatização mais escandaloso na história
do Brasil.
A empresa foi vendida por apenas 3,4
milhões de reais num período de paridade entre o real e o dólar. Uma
apresentação de 2004 ao Tribunal Regional Federal (TRF) em Brasília apontou uma
série de irregularidades que provavam que a Vale foi subavaliada. Algumas minas
foram ignoradas nos cálculos, e outras, incluindo o setor florestal,
depreciadas. Incontáveis ativos de valores enormes (tecnologias, patentes e
conhecimento técnico relacionado à geologia e engenharia de minas) não foram
nem sequer considerados e a participação acionária da Vale em outras empresas
foi ignorada.
A lista de irregularidades é enorme.
O Bradesco, banco responsável pela avaliação, tomou o controle da Vale um ano
depois, e, não por acaso, o primeiro presidente da Vale, Roger Agnelli, era um
ex-diretor executivo do banco.
Até mesmo uma década depois, um plebiscito
informal pela renacionalização da Vale,
organizado por sindicatos, estudantes e o MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra) em 2007 conseguiu mobilizar três milhões de votos. Apesar de
o presidente Lula aparentemente não dar atenção às demandas do plebiscito, ele
pressionou publicamente a Vale durante a crise econômica global que se seguiu.
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Vista da mina de carvão da Vale em Moatize, Moçambique
A Vale tentou tirar vantagem da crise
de 2008 para realizar demissões em massa e suspender investimentos planejados
na indústria siderúrgica brasileira. Lula usou o sentimento popular contrário à
privatização expressado através do plebiscito para justificar uma bronca
pública que deu em Agnelli. Ele sugeriu que, para uma empresa tão próxima do
governo quanto a Vale, havia uma obrigação de responder ao momento de
turbulência global desempenhando um papel estabilizador.
Durante o ano de 2009, a visão do
governo brasileiro sobre o papel que a Vale deveria assumir e a visão de
Agnelli estavam abertamente desalinhadas. Por volta de setembro, a revista
brasileira Exame sugeria que o governo planejava destituir
Agnelli. Numa reportagem intitulada "Lula critica Agnelli e articula saída
do presidente da Vale", [repercutida pela InfoMoney], o jornalista Rafael Souza Ribeiro reportou:
"Não é de hoje a vontade do
governo em elevar sua participação no controle administrativo da Vale. Só este
ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já falou algumas vezes que a
mineradora precisa investir mais no Brasil para proporcionar emprego à população.
Desde que demitiu mais de mil funcionários no ano passado em decorrência da
crise econômica, Roger Agnelli, presidente da Vale, caiu em desencanto nos
bastidores do governo."
É verdade que o uso da crise global
por Agnelli para justificar a demissão de 1.300 trabalhadores e recuar nos seus
compromissos de investimento na produção de aço no Brasil voltou para assombrá-lo quando o mandato de Lula terminou em 2011. A
nova presidente do Brasil, Dilma Rousseff, orquestrou uma tentativa de mudança
na liderança da Vale entre os blocos de acionistas da empresa próximos ao
governo.
Murilo Ferreira assumiu o posto como
novo presidente em 2011 e logo depois começou a visitar as operações da Vale
por todo o mundo. A mudança na liderança de Agnelli para Ferreira e as
promessas da Vale de uma gestão mais humana e de redução do estresse trouxeram
esperança de mudança, mas as expectativas levantadas foram rapidamente
frustradas pelo desprezo demasiado de Ferreira em relação aos líderes sindicais
ao longo de sua turnê inaugural. No entanto, em resposta às críticas, ele
concordou em se encontrar com 14 presidentes de sindicatos das operações da
Vale ligadas à mineração no Brasil em setembro de 2011.
De acordo com um relatório de Valério
Vieira, presidente do Sindicato Metabase Inconfidentes, que representa duas
minas da Vale no estado de Minas Gerais, a maioria dos líderes sindicais
presentes estavam felizes em comprar a ideia de Ferreira de uma Vale mais
boazinha e amável e louvavam sua prontidão em dialogar. Eles elogiaram sua
aparente emoção durante a discussão sobre as mortes no local de trabalho.
Mas Vieira – que, entre idas e
vindas, trabalhou na Vale por 25 anos – não estava convencido. Em seu relatório
para a Metabase, compartilhado com ativistas da Vale em outros países, Vieira
contou que disse a Ferreira que o presidente levaria bem mais do que três meses
para mudar o curso da Vale depois de uma década sobre a liderança de Agnelli.
Além disso, demandaria um nível de vontade política que ainda não tinha sido
demonstrada.
O relatório de Vieira da reunião
identificou oito características do trabalho da Vale no Brasil: 1) A Vale é
reconhecida por ser fortemente oposta aos sindicatos; 2) Um trabalhador da Vale
tende a ganhar menos do que trabalhadores em lugares semelhantes; 3) Os
gerentes da Vale constantemente constrangem os trabalhadores; 4) A Vale impõe
metas de produção extremamente distantes da realidade; 5) Trabalhadores da Vale
vivem sob ameaças constantes de serem demitidos sem justa causa; 6)
Supervisores da Vale impõem medidas disciplinares arbitrárias frequentemente;
7) Trabalhar na Vale significa trabalhar em condições perigosas porque a Vale
coloca a produção acima de todo o resto e muitas vezes encobre incidentes de
saúde e segurança; 8) A Vale regularmente tenta comprar os sindicatos e os
líderes do governo oferecendo veículos, viagens, cartões de crédito e outros
privilégios.
Em 2012, um pequeno grupo de
trabalhadores da Vale no Canadá, em Moçambique e no Brasil foram questionados
sobre essas oito características do trabalho na Vale identificadas por Vieira
para responderem se elas eram aplicáveis às suas realidades. Embora as
situações em cada país sejam diferentes, a resposta esmagadora à pesquisa foi
que a caracterização do trabalho na Vale feita por Vieira ressoava
profundamente com outros países.
Por trás do marketing
Apesar dessas contradições, a Vale
lidera as corporações brasileiras que alcançaram o status de "competidoras
mundiais". Empresas como a Vale projetam uma imagem de si mesmas como
"motores do desenvolvimento" tanto no Brasil quanto nos países onde
investem, gerando emprego e crescimento econômico, um símbolo do "Brasil
global".
Em contrapartida, o Estado brasileiro
atribui grande importância ao apoio que dá a essas empresas. As grandes
quantias de crédito concedidas pelo BNDES e outras políticas públicas criadas
para apoiar e facilitar os investimentos globais das multinacionais brasileiras
são vistas como plenamente justificadas e as atividades das empresas são
retratadas como vantajosas para o Brasil como um todo.
O argumento é que através dessas
"competidoras globais" o Brasil irá aumentar a entrada de capital
estrangeiro (através dos depósitos dos lucros), aumentar as exportações,
ampliar sua inserção nas cadeias de inovação global e beneficiar seus
fornecedores, que também aumentam sua produção.
Esta narrativa está enquadrada no
paradigma neoliberal: um país que quer ganhar uma posição hegemônica
globalmente precisa de grandes empresas. Embora sejam tomadas por interesses
privados e pela priorização aberta dos grandes lucros e retornos altos aos
diretores e acionistas, as grandes empresas brasileiras e suas expansões
globais são tratadas como sinônimos dos "interesses nacionais"
brasileiros. A resistência dos trabalhadores e da comunidade às operações
dessas empresas, seja em seu país natal ou no exterior, é prontamente vista
como criminosa.
Será que essa tão anunciada ascensão
dos BRICS a um grupo de elite de potências globais realmente abrange os
interesses nacionais de todos os cidadãos do Brasil? Será que todos brasileiros
veem o sucesso da Vale como uma "competidora global" como motivo para
celebração? Será que pensam que a habilidade da Vale em entrar para a
competição feroz entre as gigantes globais num mundo de grandes minerações
significa que o Brasil "chegou lá", que agora pode ficar em pé,
levantar a cabeça, ocupando orgulhosamente seu lugar no G20 entre os países "desenvolvidos"
do Norte?
Assumir o sucesso da Vale e os
interesses nacionais do Brasil como sinônimos é operar dentro de um velho
discurso sobre desenvolvimento que vê a transição do estado-nação de uma
sociedade agrária para industrial como o objetivo, com o Estado como o
principal ator. Além disso, a sociedade nacional é considerada como o principal
alvo de planejamento do desenvolvimento, e investidores estrangeiros diretos
são apontados como a principal fonte de capital para realizar as metas de
desenvolvimento de empregos, modernização e crescimento econômico.
Talvez compreenda-se melhor as
corporações multinacionais dos BRICS ao sair desse velho discurso sobre
desenvolvimento baseado em territórios, e situá-las, em vez disso, como agentes
num novo discurso global baseado em fluxos. Este é um mundo onde há uma
economia transnacional plenamente articulada em fluxos de capital, informação,
tecnologia, equipamento e até mesmo terra, trabalho e forças de segurança
particulares. Toda essa economia global opera fora da lógica e muito fora das
regulações em jurisdições nacionais.
Uma grande mineradora tem responsabilidade mínima pelo
território — e pelos cidadãos — no qual
acontecem suas operações de mineração, atuando, em vez disso, através de
cadeias de fornecimento globais e de fluxos altamente articulados que hoje
caracterizam a economia global.
Corporações usam instrumentos de
marketing para “pintar de verde” sua imagem com forte linguajar de
sustentabilidade ou "pintá-la de azul", envolvendo-se no linguajar
legitimador do Pacto Global das Nações Unidas. O que é apresentado ao público
como necessidade de uma licença social para operar é, de fato, considerado internamente
um exercício de gestão de riscos de segurança. Empresas são guiadas
fundamentalmente por suas preocupações de controle de riscos, e veem qualquer
pessoa, política ou instituição que entra no seu caminho como um risco de
segurança e, consequentemente, um inimigo da corporação.
André Almeida, ex-diretor do
Departamento de Inteligência e Segurança Corporativa da Vale, entregou
recentemente um grande número de documentos a um promotor do Estado brasileiro
que apontavam o envolvimento da Vale em uma ampla rede de espionagem e infiltração focada em pessoas e organizações consideradas
pela empresa como inimigas. Entre estes estão jornalistas respeitados,
advogados e ativistas de direitos humanos, assim como organizações, como
Justiça nos Trilhos e Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale.
Por mais perturbador que possa ser o
comportamento da Vale, ele não é diferente das divisões de classe tanto dentro
do Brasil quanto fora. As forças sociais da elite brasileira e de outros BRICS
que pretendem tornar seus países competitivos na economia global são parte de
uma nova classe transnacional de vencedores produzidos pela globalização.
Através de suas corporações multinacionais, como a Vale, eles aspiram um
consumo de classe mundial.
O desejo do governo e dos líderes
empresariais nos BRICS em alcançar status global, medido por triunfos como
receber as Olimpíadas e a Copa do Mundo, pode genuinamente incluir um
componente de recuperação de orgulho, dignidade e respeito depois de séculos de
humilhação colonial. A visão buscada, no entanto, não oferece nenhuma outra
alternativa à ordem mundial atual de produção exploradora e consumo para
poucos. As práticas dos capitalistas emergentes do Brasil, da Índia, da África
do Sul ou da China distinguem-se muito pouco do saque de seus competidores
globais ligados aos velhos centros imperiais da Europa e da América do Norte.
A visão dos BRICS exclui os pobres
dentro de suas próprias nações e ignora o impacto ambiental do modelo de crescimento
que aspiram ter. O desejo dos BRICS em serem agentes no sistema global mundial
e consumidores de "classe mundial" reforça as disparidades existentes
e inflige mais danos ao ambiente, transformando-os em importantes perpetradores
de instabilidade e injustiça global.
Tradução: Jessica Grant
Artigo original publicado na revista
norte-americana Jacobin.
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