Vale de lama
POR MÍRIAM LEITÃO
10/11/2015 08:30
Exclusiva: como saiu na
imprensa. Na grande imprensa que ainda respira neste pais. Miriam tem razão. Mas
ela não sabe o que acontece aqui, neste momento. É a atitude dos covardes, dos
que deixam como estar para ver como fica. É preocupante porque a mineração, se
for usado um único peso, não serve para um pais. Para ninguém.
A Samarco tem dono. É a Vale e a BHP. Cada uma tem metade do capital. O
presidente da empresa australiana, Andrew Mackenzie, falou com a imprensa desde
o primeiro momento e embarcou para o Brasil. O presidente da Vale, o mineiro
Murilo Ferreira, soltou nota. A presidente Dilma não foi ao local. A tragédia
se propaga por dois estados e deixa vítimas em famílias que não enterrarão seus
mortos.
Não é inesperado o que aconteceu em Mariana. Primeiro, pelos alertas
dados pelo Ministério Público de Minas Gerais e por especialistas; segundo,
porque a mineração é uma atividade altamente agressiva e de elevado risco
ambiental. A Vale está fazendo furos e deixando rejeitos em Minas Gerais há 70
anos. Não pode, diante de um desastre dessa proporção, soltar uma nota lacônica
como se não fosse sua obrigação agir imediatamente.
A atividade mineradora no mundo inteiro tem uma série de procedimentos
já consolidados ao longo do tempo para prevenir e mitigar desastre. Neste caso,
se vê, a cada novo passo da investigação, que as empresas foram displicentes na
prevenção e não demonstraram ter um plano de ação preparado para o caso de
desastre. Prevenção e mitigação de danos é o mínimo que se pode exigir de
empresa que lida com atividade de alto risco.
O gerenciamento corporativo de desastres tem um protocolo e ele começa
com a empresa não se escondendo. Ela precisa falar, e quem faz isso é o
presidente da companhia. A Samarco foi ontem proibida por Minas Gerais de
exercer atividade no estado. Mas nada recai sobre as suas controladoras.
Nenhuma cobrança é feita à Vale, que é empresa brasileira, está aqui no país e
tinha que saber o que acontece com a sua controlada.
A reação corporativa é absolutamente insuficiente. A Vale não pode ficar
dizendo apenas que está prestando todo o apoio à Samarco e às autoridades. O
que a empresa fará para proteger e indenizar as famílias das vítimas? Que plano
tem para conter os efeitos do desastre? Como fará a descontaminação da área?
Que desdobramentos os seus estrategistas em riscos estão vendo para as
consequências como a contaminação das águas em Minas Gerais e no Espírito
Santo? Já instalou uma sala de controle das informações sobre o desastre, no
estilo situation room? É inacreditável que uma tragédia que aconteceu
na quinta-feira tenha até agora de reação da empresa controladora apenas uma
nota divulgada na sexta, um sobrevoo do CEO ao local e conversas entre
executivos da Vale e da Samarco.
O comportamento público diante dos eventos também é insuficiente. O nome
de um ministério é de “Minas" e Energia, o nome do outro é de Meio
Ambiente. Não consta que estiveram em Mariana. O que o governo deveria ter
feito é ir para lá a presidente, os ministros de áreas envolvidas, as agências
reguladoras e, em seguida, divulgar um plano de ação. É inaceitável esse grau
de omissão.
No governo está um jogo de empurra. Quando se procura o MME, aponta-se
para o Departamento Nacional de Produção Mineral. O desastre ambiental é
enorme, mas o Ministério do Meio Ambiente não fala. Águas estão sendo
contaminadas e em Governador Valadares-MG e Colatina-ES o risco é de problemas
de abastecimento. O que diz a Agência Nacional de Águas? O que farão as
empresas a este respeito?
Há claramente falha regulatória e de fiscalização no rompimento das duas
barragens que vitimou um número ainda indefinido de trabalhadores e moradores
do distrito de Bento Rodrigues, deixou centenas de pessoas desabrigadas e pode
afetar o abastecimento de pelo menos meio milhão de pessoas.
As informações até agora são de que não foi feito o plano de
contingência recomendado, sirenes não foram instaladas para a eventualidade de
um desastre e as famílias se queixaram de que até domingo não haviam sequer
sido recebidas pela Samarco. A empresa aumentou a produção no ano passado e o
governo estadual recentemente baixou uma lei para apressar as liberações
ambientais da mineração, os alertas de professores da UFMG e de procuradores
federais e estaduais foram ignorados. O caso é grave demais para ficarem todos
os responsáveis apenas olhando os socorristas se afundando na lama criada pelo
descaso e a incompetência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário